Advocacia não pode ficar à parte da crise política, diz presidente da OAB
Brasília, "A advocacia tem que atuar ativamente na defesa dos valores morais e éticos na administração pública". A afirmação é do presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto, que na semana passada defendeu a renúncia de senadores para pôr fim ao estado de "calamidade institucional" que se instalou na Casa nos últimos meses.
No Dia do Advogado, data em que se celebra a instalação do primeiro curso jurídico do país, há 182 anos, Cezar Britto considera que conquistas recentes, como a lei da Inviolabilidade dos Escritórios de Advocacia e a Súmula Vinculante 14 - que garante o acesso da defesa a processos sob sigilo - demonstram o reconhecimento da importância da atividade.
Nesta entrevista a Última Instância, Britto também critica a proliferação de cursos de direito, que levou o Ministério da Educação a cortar opela metade as vagas disponíveis no ano passado. "A tendência é que continue a redução do número de cursos", afirma. (A entrevista é de William Maia e foi publicada hoje no site jurídico Última Instância):
Leia a seguir a íntegra da entrevista com Cezar Britto:
Última Instância - O sr. defendeu na semana passada a renúncia coletiva dos senadores como forma de pôr fim a crise ética que atinge a Casa. Como a advocacia, enquanto classe, deve se portar diante do atual cenário político do país?
Cezar Britto - A advocacia e a OAB tem que atuar ativamente na defesa dos valores morais e éticos na administração pública e tem feito isso. Tanto é que na nossa gestão nós realizamos uma marcha com mais de 3.000 pessoas pedindo a revogação da PEC do Calote [PEC dos Precatórios], que é o maior atentado ao Estado Democrático de Direito depois da Ditadura Militar. No caso da crise do Senado, o que a OAB está conclamando já há alguma tempo é que tenhamos uma reforma política. Não há como solucionar uma crise institucional que atinge diversos parlamentares sem ela. E dentre as propostas para a reforma política está o recall, que é a possibilidade do eleitor, do soberano povo, entender que devem ser realizadas novas eleições para a confirmação do mandato. A advocacia não pode ficar à parte dessa crise política, até porque nós estamos tratando do Senado da República, que é fundamental para a democracia e para a manutenção do sistema federativo.
Última Instância - Como avalia o atual quadro da advocacia no Brasil? No Dia do Advogado, a classe tem o que comemorar?
Cezar Britto - A advocacia está orgulhosa da sua função, de defensora da liberdade, do Estado Democrático de Direito, e nesses últimos anos tem conquistado, cada vez mais, um espaço que consolida essa missão. A lei que torna inviolável o escritório de advocacia e a súmula 14 do STF que diz que não há processo secreto para os advogados. Isso demonstra o reconhecimento tanto do Congresso, quanto do STF sobre a importância da advocacia brasileira. Claro que as datas comemorativas devem ser festejadas, mas também devem servir para reflexões. E a reflexão que se impõe é que devemos estar sempre alertas na defesa do Estado Democrático de Direito, já que idéias conservadoras e arbitrárias não morrem facilmente. O exemplo típico é a lei que acaba de ser publicada hoje, que regulamenta o mandado de segurança.
Última Instância - Por que a lei é ruim?
Cezar Britto - Porque regulamenta mal, já que ela criou um certo "apartheid" no que se refere a esse remédio heróico que é o mandado de segurança. A partir dela, o mandado não mais se aplicará para concessão de liminares para servidores públicos, em ações de caráter alimentar. E criou ainda a idéia de que só consegue liminar quem tem dinheiro, já que se exige o depósito prévio das custas em dinheiro. Isso significa que o mandado de segurança só vai ter serventia para os ricos do Brasil.
Última Instância - No ano passado, a advocacia teve duas grandes conquistas, a Lei de Inviolabilidade dos Escritórios e a Súmula Vinculante 14. Quais são as bandeiras pelas quais a classe deve lutar atualmente?
Cezar Britto - No campo legislativo nós temos algumas bandeiras. Uma delas é o projeto que criminaliza as violações às prerrogativas da defesa. É preciso que se garanta igualdade, como diz a Constituição, entre aquele que julga, aquele que acusa e a aquele que é encarregado pela defesa. O outro combate é em relação ao aviltamento profissional, que faz como que, em determinados casos, os honorários sejam fixados em valores baixíssimos, mostrando que não se respeita o trabalho do advogado.
Última Instância - Também em 2008, houve uma redução drástica no número de cursos direito, graças à atuação do Ministério da Educação em parceria com a OAB. Mais cursos e vagas devem ser suprimidos?
Cezar Britto - A tendência é que continue a redução do número de cursos. A ação conjunta entre o ministério da Educação e a OAB busca a qualidade do ensino e essa qualificação é fundamental, porque os bacharelados são encarregados de integrar o Poder Judiciário, que tem a tarefa de levar a Justiça para o cidadão brasileiro. O Exame de Ordem Unificado tem sido um instrumento importante de demonstração de como funcionam os cursos de direito no Brasil. Existe, então, a separação do joio e do trigo: os bons cursos aprovam 80, 90 ou até 100 por cento dos inscritos, enquanto em cursos que, infelizmente, mercantilizam a função social do direito reprovam até mesmo a totalidade dos seus alunos.
Última Instância - Depois do julgamento que acabou com a obrigatoriedade do diploma para jornalistas, o ministro Gilmar Mendes disse que outras profissões deveriam ser desregulamentadas. O sr. teme que isso ocorra com a advocacia?
Cezar Britto - A OAB tem a certeza absoluta que jamais se ousará desregulamentar a profissão de advogado, porque ela é expressamente mencionada na Constituição Federal, ou seja, é uma profissão constitucionalizada. Portanto, não poderá haver nenhuma lei ou decisão no sentido de que a advocacia não tenha proteção jurídica, por que o regulamento vem da Lei Maior.